Mês passado finalmente recebi do Daniel Murray o seu CD recém lançado “Tom Jobim para violão solo”.

O título já dá a sinopse do projeto, mas não revela que este segundo álbum do intérprete firma-o num outro patamar. Já não podemos falar de um “jovem violonista”.
Trata-se de um disco histórico, feito por um dos maiores violonistas do Brasil e acho que o maior número de interessados merece saber disso.

O produtor do disco, Paulo Bellinati, é um mestre de todos nós, violonistas brasileiros e estrangeiros simpatizantes.
Bellinati, que não é mestre por acaso, conhece as muitas dimensões profissionais e artísticas da carreira e é talvez o principal responsável pela idealização deste disco tal como veio ao mundo.

Me parece evidente que seu trabalho como produtor imprimiu no CD intenções e pretensões antigas de sua trajetória como arranjador e instrumentista. (A maioria dos arranjos do disco são dele, Bellinati.) Isto por si só já é um monumento.

Mas o mestre é também, até onde posso perceber, o padrinho musical mais importante de Daniel Murray.
Aos dezesseis anos Daniel já tocava quase toda a obra de Bellinati para violão solo e a convivência entre os dois sempre foi intensa.

Isso quer dizer que o fundamento estético do violão do Daniel é um território quase virgem na história do nosso instrumento.
Me explico: todos querem juntar os universos popular e erudito. Eu quero, muitos colegas famosos e desconhecidos querem, a torcida do Timão quer fazer música “com referencias do clássico e do popular”.

Mas a excelência técnica do concertista Paulo Bellinati associada à profundidade que ele atingiu como arranjador e compositor popular (e segurando o suingue!) foi inédita quando apareceu, é ponto de partida no violão brasileiro e, como a música brasileira é o que é no mundo, Bellinati é um mito fundador na história do violão mundial e ponto!

O “território quase virgem” a que me referia é esse domínio extremo da sonoridade do violão de concerto aliado à capacidade de improvisar bem e ao suinge que caracterizam a música popular.

E o meu assunto aqui é usar esses adjetivos para qualificar o violonista Daniel Murray.

As interpretações do homem erguem de vida cada um dos arranjos e parecem sinfonia de orquestra grande, parecem a voz do Tom, parecem banda tocando samba chique, tudo respeitando as maneiras do compositor.
Somado o arsenal técnico e sensível do intérprete que conhece muito violão e muita música. E deve conhecer muita vida também (vai saber o tanto de dor e de amor que aquele coração é capaz de sentir…)

Pra voltar aos parâmetros objetivos, procurando outros nomes que tenham alcançado ser tão populares mantendo tão absolutamente o domínio da sonoridade do violão clássico, me lembro do próprio Bellinati, me lembro do Ralph Towner… e daí vai escasseando.
Tem o Marcus Tardelli, que fez há pouco um disco homólogo abordando a obra do Guinga. Mas esse disco está em outra chave. É mais endiabrado que chique. É mais batuque que sinfonia. Os arranjos pretendem outra coisa e desde o repertório até a masterização retumbante mostram um produto emoldurado noutro contexto.
A este propósito, pra não esconder nada, não gostei da masterização do disco do Daniel. Nas audições, faça-se o esforço de chegar logo ao seu violão e viver o que há de maravilhoso alí.
E me lembrei do Tardelli aqui porque seu disco também é histórico e também é de um violonista sem tamanho, desses da familia “popular de concerto”.

… daí não me lembrei de mais ninguém. Quem lembrar que me ajude. Pelo bem da nossa música, pelo bem do violão brasileiro.

Pra terminar, faço público o comentário que outro mestre, Mauricio Carrilho, fez sobre o Daniel Murray interpretando Tom Jobim. Sem me lembrar exatamente das palavras, Mauricio escreveu que este é melhor disco de Tom Jobim que ele já ouviu na vida, incluindo os do próprio Tom (!!!!!!!!!!!!)

Resta-me desejar que a aliança dessas forças todas projete esse “jovem mestre” (assim dá pra falar) tão longe quanto já alcançou a música do Tom.

Porque trata-se, na minha opinião, de um dos discos para violão solo mais importantes do mundo, de todos os tempos.

Um abraço e boa audição!
Emiliano