Texto criado como material didático para os alunos da Escola do Auditório Ibirapuera.

 

“É Hoje” (Didi e Mestrinho) da União da Ilha

 

Carnaval e Samba Enredo

Nosso assunto desta vez é conhecer melhor e tocar uma música bem familiar pra todos. Um samba-enredo que fez história no carnaval carioca, que todo mundo se lembra da letra ha uns 26 anos e que até quem é mais novo se lembra bem porque voltou à avenida neste ano de 2008: É Hoje, de Didi e Mestrinho. Só que É Hoje tem uma história que não é de hoje… é bem mais antiga.

As festas de carnaval (que não existem só no Brasil!) têm o começo da sua história há muito tempo, como reminiscência das festas pagãs greco-romanas, realizadas em 17 de dezembro (“Saturnais”) e 15 de fevereiro (“Lupercais”) quando se comemoravam as colheitas comendo e bebendo muito e festejando com máscaras. Mas não precisamos ir tão longe. Pra chegar ao nosso familiar Carnaval das Escolas de Samba podemos olhar um pouco mais pra perto.

Quando foi introduzido no Brasil pelos portugueses estas festas eram extensões dos cultos católicos da Quaresma (celebrações que restringem o consumo da carne e é dessa raiz que surge o nome “carnaval”).

Do latim introitus (“começo”, “entrada”) veio o nome “entrudo” com que eram chamadas as festas de rua dessa época do ano, muito praticadas pelos escravos no Brasil colônia desde o século XVIII. O entrudo eram brincadeiras de rua descritas como sujas e violentas, marcadas pelo emporcalhamento das pessoas e das ruas da cidade. Em meados do século XIX estas festas começaram a coexistir com o carnaval moderno de modelo europeu: em 1840 fez-se o primeiro baile de máscaras em teatro e em 1854 o primeiro desfile de carros alegóricos no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.

A música que se tocava nesse carnaval eram as músicas de salão da corte: polcas, mazurcas, valsas, etc. até que a compositora e maestrina carioca Chiquinha Gonzaga (1847-1935) compôs a música que figura como a primeira composta para as festas de carnaval, a marchinha Ó, Abre Alas, de 1899.

Muita água rolou no processo vivido pelos foliões do carnaval carioca para que as festas de rua que se organizavam em blocos e cordões virassem os GRES (Grêmio Recreativo Escola de Samba) de hoje. Dá pra imaginar isso quando comparamos “o maior show da terra”, os desfiles de hoje, com estas descrições da época colonial, não é verdade? Foi um processo de transformação cultural e política às vezes penoso porque as agrupações de negros e a música ali cultivada viveram épocas de perfeita marginalidade. São muitos os capítulos dessa historia vivida no Brasil para que a Chiquinha Gonzaga se dedicasse às marchinhas e maxixes, para que o maxixe virasse samba, o carnaval virasse desfile concorrencial e o samba desse origem ao samba-enredo de hoje, produto comercial de grande interesse nas contas da indústria cultural e do turismo.

Mas vale lembrar duas datas importantes no meio destes capítulos. O início da década de 1930 é a época em que se fizeram os primeiros sambas-enredo, sambas compostos para os desfiles de carnaval das escolas de samba do Rio, com temas definidos sobre fatos da história nacional, folclore, biografias, etc. Antes os desfiles eram embalados por refrões cantados pelo coro e entremeados por versos improvisados do cantor solista. Ou simplesmente pelo samba mais cantado durante o ano nas quadras das Escolas de Samba. Mas parece que essa improvisação e soltura provocavam algumas dores de cabeça e altibaixos no nível das músicas do desfile e as regras foram se construindo até chegarmos ao mundo complexo e regulamentado dos desfiles de hoje. Para quem quiser se aprofundar no assunto, procurem conhecer a história e a produção de Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola, Candeia, Cartola e Carlos Cachaça, alguns personagens primeira importância neste processo.

A outra data importante para entender melhor o nosso É Hoje, de Didi e Mestrinho, é a que identifica a saída dos sambas-enredo dos limites dos desfiles de carnaval lá da Praça Onze de Junho e sua entrada no comércio fonográfico. Foi na década de 1940 que esses sambas começaram a interessar aos cantores profissionais e a primeira gravação comercial foi de Natureza Bela!… (1942), gravado por Gilberto Alves. Antes dele, com o nome de Natureza bela do meu Brasil, essa música de Henrique Mesquita tinha sido o samba-enredo da escola Unidos da Tijuca em 1936.

A partir daí os compositores e cantores de outras áreas da música brasileira começaram a contribuir muito para que o gênero alcançasse o lugar que tem hoje e gente como João Bosco e Aldir Blanc (Mestre Sala dos Mares) e Chico Buarque e Francis Hime (Vai Passar) levou o samba-enredo para passear por temas mais politizados e críticos que a exaltação nacionalista que lhe vinha caracterizando.

 

É Hoje, Didi e a União da Ilha

É Hoje de Didi e Mestrinho, samba-enredo do GRES União da Ilha do Governador imortalizado por Caetano Veloso e que figura entre os sambas mais lembrados de todos os tempos do carnaval carioca, foi defendido no carnaval de 1982 com direção do carnavalesco Max Lopes. Sua repercussão à época e o lugar que ocupou no cancioneiro brasileiro depois da gravação de Caetano Veloso fizeram com que a União da Ilha o reapresentasse neste ano de 2008, agora com o carnavalesco Jack Vasconcelos e o novo nome de É hoje o dia, mas a tentativa de revitalizar a Escola e fazê-la subir ao Grupo Especial não atingiu seu objetivo.
Didi era o pseudônimo do Procurador Federal e advogado Gustavo Adolfo de Carvalho Baêta Neves, morto em 1987 aos 52 anos de idade. Filho de família preconceituosa com relação ao samba e aos ambientes populares e mestiços em que este é cultivado, o Didi sambista sempre se apresentou usando o pseudônimo e é conhecido o fato de que vários de seus 22 sambas-enredo tiveram a autoria atribuída a outras pessoas (como por exemplo o clássico O Amanhã, também defendido pela União da Ilha, que aparece como sendo de Maria Augusta).
Didi foi homenageado pela União da Ilha em 1991 no samba De bar em bar, Didi um poeta, de Ely Perón e Rogério Figueiredo.
O Grêmio Recreativo Escola de Samba União da Ilha do Governador foi fundado em 7 de março de 1953 pelos amigos Maurício Gazelle, Quincas e Orphylo, que estavam na Estrada do Cacuia, principal local de desfile do carnaval da Ilha do Governador, assistindo à apresentação de pequenas escolas de samba e blocos de vários bairros da Ilha. Foi quando decidiram que o bairro do Cacuia deveria ter uma escola de samba que o representasse. Atualmente, a escola está sediada na Estrada do Galeão, no bairro do Cacuia.

 

Outras informações sobre os desfiles de hoje em dia.

Em 1967 um samba-enredo da Mangueira conquistou um sucesso tão grande por todo o Brasil que no ano seguinte fez-se um álbum que reunia todos os sambas-enredo do ano, intitulado “Festival do Samba”. Foi o primeiro de uma tradição já longa.

Desde a década de 80, com a invasão das escolas pelas classes média e alta e a transformação do desfile no enorme show que é hoje e que fica cada vez mais opulento, também o samba-enredo vem mudando. Sua velocidade foi sendo aumentada para permitir que o gigantismo das escolas não atrapalhasse a rígida cronometragem da comissão julgadora. As enormes vendagens dos discos com os sambas-enredos vencedores de cada escola motivaram disputas acirradas entre compositores, com torcidas subsidiadas e rateio do bolo por um número cada vez maior de parceiros na autoria dos sambas…

Só que depois de dominar o período carnavalesco tirando espaço das marchinhas e dos próprios sambas de carnaval, o samba enredo sofre, a partir de meados dos 90, um processo de exaustão da fórmula com discos em queda de vendagem e o alcance de suas músicas cada vez mais restrito aos dias de folia.

É muito bom perceber que, embora a cultura (tradições, arte, música) seja uma coisa e mercado seja outra, existe uma dança entre as duas partes e que um povo pode se enriquecer e se empobrecer de acordo com os caminhos que essa dança vai tomando. Já tinha pensado nisso?

 

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Perguntas, reflexões, pesquisas…

  1. Nas fontes utilizadas para estas apostilas não foram encontradas informações sobre o parceiro de Didi neste samba, Mestrinho. Você sabe a resposta para este mistério ou aceita o desafio de descobrir informações sobre o Mestrinho? Será um parceiro simplesmente menos reconhecido pela posteridade ou será outro presenteado pela generosidade de Didi, merecendo a co-autoria de É Hoje?
  2. Quantas partes você identifica nesta música?
  3. E quais os tons de cada parte?
  4. Você se lembra de músicas ou já ouviu depoimentos que contam como eram os carnavais da Praça Onze de Junho?
  5. Você se lembra de informações sobre outros carnavais do mundo?
  6. E no Brasil? Você conhece carnavais com características diferentes das dos desfiles das Escolas de Samba do Rio? Aqui vai uma pista importantíssima para a sua curiosidade: procure comparar essas outras festas a partir de características comuns com o carnaval carioca (cortejos, alegorias, reis e rainhas, encenações…) Se você encontrar semelhanças a razão disso devem ser as heranças culturais comuns… Europa e África.
  7. Você sabe o que é Industria Cultural?
  8. Didi e Mestrinho falaram do carnaval carioca como sendo “o maior show da terra” em 1982. Hoje em dia você consegue imaginar um show maior? Se esse outro “show” tem tradição, de onde ela vem?

 

Fontes consultadas para este trabalho:

  • Enciclopédia da Música Brasileira, 2000, Publifolha
  • Excertos de textos e informações oferecidas na internet em páginas sobre a União da Ilha e o Carnaval do Rio de Janeiro. A maioria dos textos vem sem assinatura. Exceção feita a um texto de Tárik de Souza sobre Didi, seus sambas-enredo e a União da Ilha do Governador.